A tuvira (Gymnotus sp.) é uma das espécies mais utilizadas como isca viva no Pantanal e, por isso, está entre os peixes de importância econômica nesta região. Também conhecida como peixe espada, sarapó, carapó e ituí em outros estados brasileiros, é preferida na pesca de peixes nobres, como o dourado (Salminus maxillosus), os surubins (Pseudoplatystoma sp.), o jaú (Paulicea luetkeni), e até de peixes onívoros como os Brycons (piraputanga, piracanjura, matrinxã).
Sua exploração é feita de forma extrativista e, portanto, é potencialmente geradora de impactos nos diversos aspectos estruturais das populações selvagens deste peixe. Embora não tenham sido realizados estudos específicos, tem sido observada uma menor ocorrência de tuviras perto dos centros de distribuição e venda de iscas vivas. Além dos aspectos ecológicos quanto aos possíveis efeitos negativos na dispersão desta espécie, a captura acentuada de tuviras no ambiente natural pode gerar impactos econômicos e sociais, visto que a comercialização de iscas é um importante componente da pesca profissional artesanal no Pantanal, pois gera renda para um grande número de isqueiros na região, que dependem da sua coleta para sobrevivência.
Dentro deste quadro, a implantação de programas de reprodução em cativeiro de tuviras é uma alternativa interessante, tanto para auxiliar na conservação do recurso natural, reduzindo a pressão de pesca sobre as populações naturais, quanto para a geração de renda para aquelas famílias que dependem desta modalidade de pesca. Estes programas têm como finalidade essencial a geração de conhecimento sobre a biologia reprodutiva da tuvira, que tem sido um dos gargalos da produção em cativeiro deste peixe. Há alguns trabalhos que tratam da reprodução da tuvira em ambiente confinado, mas em nenhum deles se determinou com segurança o sexo dos peixes, pois não são conhecidas diferenças sexuais externas na tuvira. Essa determinação só pode ser realizada com segurança no gênero Gymnotus por meio da dissecação ou através da análise das descargas elétricas que emite. O primeiro método necessita que os animais sejam sacrificados, o que o torna inviável para programas de reprodução, enquanto que o segundo necessita de equipamentos e conhecimentos específicos que conferem uma certa dificuldade em se obter a resposta desejada.
Estes fatores levaram a Embrapa Pantanal a testar a ultra-sonografia como método de sexagem da tuvira, uma forma confiável e rápida que tem sido amplamente utilizada na determinação do sexo de outras espécies de peixes que não possuem características sexuais secundárias perceptíveis externamente. Os resultados preliminares desta pesquisa estarão disponíveis nos Anais do 1º CONGRESSO BRASILEIRO DE PRODUÇAO DE PEIXES NATIVOS DE ÁGUA DOCE, a ser realizado em Dourados/MS entre os dias 28 e 31 de agosto de 2007.
Mesmo se mostrando altamente segura (98% de acerto), a sexagem da tuvira por meio da imagem de ultra-som apresenta algumas singularidades. A utilização de um transdutor plano facilita em muito a identificação dos órgãos internos do peixe, pois permite que se mantenha na imagem do ultra-som a mesma proporção das dimensões do peixe, evitando a distorção quando da utilização de um transdutor convexo. Dessa forma, não se aconselha o uso deste tipo de transdutor pois dificulta a visualização do ovário e necessita de maior experiência para sua interpretação, o que é minimizado com um transdutor plano.
Em relação ao uso de outra forma de sexagem da tuvira, como a leitura das descargas elétricas que estes peixes emitem, é importante ressaltar a necessidade de gravar os dados e realizar o tratamento dos mesmos em programas computacionais específicos, para que se possa obter as informações desejadas. Esse processamento de dados, posterior à sua verificação, retira a praticidade que seria obtida no uso do ultra-som portátil, além de necessitar de maior conhecimento e estrutura para se alcançar os resultados desejados, dificultando em muito o trabalho de sexagem a campo. Entretanto, pode-se questionar que a utilização do ultra-som também não se mostra prática ou que é dispendiosa. Pelo que foi verificado durante este estudo em um dia de trabalho é possível sexar entre 1.000 e 1.200 peixes adultos. Se formos analisar o custo unitário da sexagem neste caso (inferior a R$ 0,70 por peixe), seu valor é muito pequeno se levarmos em conta que a finalidade deste procedimento é a melhoria de projetos ou programas de reprodução. Além disso, como a bovinocultura é uma atividade amplamente difundida no país, a disponibilidade de aparelhos de ultra-som portáteis e de técnicos capacitados é muito grande, o que auxilia na dispersão e possibilidade de uso desta tecnologia para programas de reprodução de peixes.
Outro aspecto interessante para a piscicultura nacional é que esta técnica pode ser utilizada para a determinação do sexo de outros peixes nativos que não possuem características sexuais secundárias conhecidas, como, por exemplo, o pirarucu (Arapaima gigas), um peixe amazônico de grande potencial para a piscicultura nacional, e o pacu (Piaractus mesopotamicus), um peixe nativo da bacia do Prata. Certamente, com um bom conhecimento da anatomia e com algumas adaptações do procedimento utilizado na tuvira, será possível determinar o sexo de outras espécies de peixes por meio da interpretação das imagens de ultra-som sem comprometer sua saúde e bem-estar. Para o pirarucu estas características são fundamentais, visto o alto custo dos reprodutores. Desta forma, a ultra-sonografia poderá ser um procedimento seguro, eficiente e não invasivo de sexagem e determinação do estádio de maturação gonadal deste peixe, o que traria avanços significativos no desenvolvimento de estratégias reprodutivas para a espécie.
(*)Marco Aurélio Rotta (rotta@cpap.embrapa.br), é Eng.º Agrônomo, M.Sc. em Zootecnia, na área de Sistemas de Produção Aqüícola.
(**) Débora Karla Silvestre Marques (marques@cpap.embrapa.br) M.Sc em Ciências Biológicas e Dra. em Genética e Evolução de Peixes, são pesquisadores da Embrapa Pantanal (www.cpap.embrapa.br).