Um mundo sem bacalhau
Os avisos começaram a chegar há bastante tempo. Apesar das tímidas medidas tomadas a nível internacional. A situação, todavia, não registou qualquer melhoria, e a triste realidade aí está, agora sobre a forma de conclusões definitivas. E a notícia é péssima – dentro de vinte anos, prevê-se que o bacalhau esteja extinto na maioria dos mares.
As fontes destas notícias são várias, mas todas acima de qualquer suspeita. O rebate máximo vem do Conselho Internacional de Exploração dos Mares (CIEM), o principal organismo consultivo das pescas a nível mundial, que avisou a Comissão Europeia, de forma peremptória: qualquer frota pesqueira de captura de bacalhau no mar do Norte, no mar da Irlanda e nas águas a oeste da Escócia deve cancelar imediatamente as suas actividades. Caso contrário o bacalhau pode extinguir-se, em virtude do colapso dos stocks mínimos para reprodução.
Portugal, como se sabe, é o País que mais consome bacalhau seco, per capita, em todo o mundo. Todavia a nossa fonte primordial de fornecimento deste alimento é a Noruega, e podemos não ser ainda directamente atingidos por estas medidas, cuja implementação, mais tarde ou mais cedo se terá que fazer. Todavia, as consequências à vista são arrepiantes, pois só no Reino Unido 20000 postos de trabalho estão agora em risco. O Ministro das Pescas britânico levou este aviso muito a sério.
Se a isto acrescentarmos a proibição de captura de outras espécies ameaçadas, como o eglefim, o badejo, a solha e outros, que trazem também exemplares de bacalhau, segundo autoridades portuguesas, o panorama ainda mais se complica.
O CIEM foi perfeitamente claro no seu alerta – «Sentimos necessidade de recomendar a interdição total deste tipo de pesca como única forma de permitir a recuperação dos stocks de bacalhau a um determinado nível que permita a reprodução da espécie». As medidas já tomadas – redução das quotas de pesca e limitação de áreas – não conseguiram melhorar o panorama, de tal modo que os cientistas informam – «Os stocks têm vindo a diminuir nos últimos anos, não obstante os esforços de redução nas capturas, atingindo agora valores baixos nunca antes registados».
Deste modo, os actuais stocks são tão reduzidos que impedem a recuperação da espécie. Parece, portanto, destinado ao fracasso o recente plano de recuperação dos contingentes de bacalhau no mar do Norte, nomeadamente permitindo um aumento anual de 30 por cento na biomassa em reprodução, que a Comissão Europeia decidiu recentemente pôr em marcha, mas os cientistas do CIEM avisam que este esforço é insuficiente, só tendo efeitos na recuperação dos stocks daqui a 12 anos.
Quais as causas desta razia? É evidente que o fenómeno da sobrepesca é o principal culpado, e tal já se verifica desde há muitos anos, segundo os biólogos marinhos.
Todavia, a biologia do bacalhau é muito peculiar. Apesar das fêmeas ovularem, em média, quatro milhões de óvulos por ano, a captura de peixes demasiado jovens, que não chegaram à fase de reprodução, é de tal ordem, que apenas 1 em cada 20 fêmeas sobrevive até à fase de ovulação. A partir dos dois anos de idade, o bacalhau já atingiu dimensão suficiente para ser pescado, mas ainda não entrou na fase reprodutiva, que só é atingida aos seis anos. Logo, a recuperação dos stocks será sempre demorada.
“A indústria pesqueira começa a estar habituada a más notícias por parte dos cientistas, mas este é provavelmente o relatório que mais pode afectar a sua vida profissional”, segundo o portal da Secretaria Regional das Pescas da Madeira.
”Mas os números são demais evidentes. Em 2001 os stocks de bacalhau eram de 54 mil toneladas e este ano atingiram as 30 mil toneladas. Ora, cientificamente está provado que a espécie precisa de uma biomassa de 150 mil toneladas para se poder regenerar. O risco não é já o de se esgotarem os stocks de pesca, é mesmo a impossibilidade de se regenerar a espécie levando-a à inevitável extinção. Em certas zonas ao largo do Canadá esse fenómeno ocorreu. E, como o bacalhau é um peixe de grandes dimensões, alterar as redes não resolve.”
Aqui fica esta informação-base, com os últimos desenvolvimentos. Como ouvimos a Clara Pinto Correia, na RDP1, o ponto alto das pescas deu-se nos anos sessenta do século XX; depois disso, as pescarias tornaram-se residuais, limitando-se a rapar o que ainda vai sobrando e sobrevivendo, aqui e ali, e cada vez com barcos mais potentes, e com arrastos cada vez mais destrutivos, que só pioram o problema de forma espiral.
Quando, há anos atrás, os biólogos previam que a sardinha estava altamente ameaçada, alguém iria supor que, em Portugal, em 2007, quase toda a sardinha que nos vai ainda chegando às mesas é agora criada em cativeiro, e sem nenhuma garantia que a situação perdure no futuro.
O tempo das bruxas já chegou…
Por = Miguel de Sousa Jornal do Barreiro (Portugal)